Capa do livro More de Austin Clarke

Barbados: More

Resenha nº 19: More – Austin Clarke

Olá pessoal, desculpem pelo atraso! A resenha de hoje é sobre More, obra do barbadiano Austin Clarke. O motivo da minha demora foi a dificuldade em terminar a leitura. Embora passe uma mensagem importante, a jornada da protagonista, das sombras para a luz, não é empolgante. Apesar de ter penado para chegar à última página, colocando tudo na balança, considero que o esforço valeu a pena.

Tal como Clarke, a protagonista Idora Morrison nasceu em Barbados e se mudou para Toronto, no Canadá. Idora é uma imigrante legal, inclusive, ela se declara nativa do Canadá, em posse de seu passaporte canadense.

O livro retrata a vida do imigrante em Toronto, cidade na qual a população estrangeira vive em guetos, separados da sociedade canadense e até mesmo entre si de acordo com suas nacionalidades. Os imigrantes são diariamente expostos ao racismo, à marginalidade e à degradação promovida pela mídia.

Várias críticas são feitas à ação policial na região, em forma de lembranças sobre imigrantes inocentes mortos e exemplificado por Brandon, ex-namorado de Josephine, a melhor amiga de Idora. Brandon perseguia deliberadamente imigrantes, praticando bullying e violência, aproveitando-se de sua autoridade, como forma de extravasar o ressentimento que sentia pelo seu fracasso. Do seu ponto de vista, ele não obteve sucesso devido aos imigrantes que ocupavam as vagas disponíveis e que deveriam ser dele. Ele chegou a desistir de uma universidade por considerar que havia muitas pessoas não-brancas estudando no local.

Josephine é uma canadense branca e culta, ela estuda na universidade onde Idora trabalha e se dedica à pesquisa de questões sociais. Apesar da vergonha e dos receios de Idora, devido ao tom de sua pele e sua classe social, elas se tornam melhores amigas.

A história começa em uma quinta-feira do inverno canadense e termina no domingo ao anoitecer, como uma metáfora dos 40 dias e 40 noites de Jesus no deserto. Aliás, o modo de vida de Idora era extremamente ligado à religião, ela era uma cristã ferrenha.

Nesse intervalo de tempo, Idora revisita suas memórias no que se relaciona à sua vida no Canadá, além de algumas lembranças de sua vida em Barbados, principalmente do seu período escolar. As lembranças são intercaladas por acontecimentos reais e momentos nos quais sua imaginação flui livremente.

Esse período de reflexão e sofrimento se inicia na madrugada de quinta-feira, quando o telefone toca longamente. Idora estava inquieta, seu temor de que fosse uma má notícia a impediu de atender a ligação. Enfim tomou coragem e foi verificar o quarto de seu filho… que estava vazio.

Na manhã seguinte, Idora foi acordada pelo badalar dos sinos da catedral que ela frequenta, mas não tinha vontade de se levantar. Idora permanece na cama, enrolada em seus lençóis brancos, e decide faltar ao trabalho, na cozinha de uma universidade em Toronto. Ela sonhava em ver seu filho entre os estudantes da instituição, vestidos com seus ternos elegantes. Entretanto, o rapaz se inspirava nos rappers e usava roupas largas e desleixadas. Mais do que isso, converteu-se para o islamismo, religião desprezada pela população em geral, o que causou desagrado em Idora, pois além de ser cristã, essa opção o faria sofrer ainda mais com o preconceito, por ser negro E muçulmano.

Clarke explora a fundo o psicológico de sua personagem, expondo seus ressentimentos, medos, tristezas e arrependimentos. Idora rememora seu relacionamento com seu marido, Bertram, que a engravidou com o propósito de casar-se e viver no Canadá. Anos mais tarde, abandona a mulher e o filho e muda-se para Nova York, em busca de emprego, o que deixa Idora muito feliz: agora ela é uma mulher livre novamente! Com a partida “daquele homem”, Idora não precisa trabalhar em dois ou três empregos simultâneos para conseguir a renda necessária para sua sobrevivência.

De modo menos acentuado, o autor também discute a sexualidade de sua personagem. Nasce um elo emocional entre Idora e Josephine que por pouco não se transforma em algo carnal, evitado pela religiosidade de Idora, que vê isso como um pecado. Por outro lado, o pastor de outra igreja que Idora frequenta, a Apostolical Holiness Church of Spiritualism in Christ, flerta com ela após o sermão de domingo.

Durante esses quatro dias, o episódio bíblico sobre Jonas na barriga da baleia circundou a mente de Idora, por isso quis pregá-lo no culto e seu discurso foi inflamado pelos sentimentos.

Idora também reflete sobre a maternidade. Com o desaparecimento de seu filho, ela se dá conta do quanto esteve ausente da vida do rapaz e finalmente se pergunta se não estava evitando-o de propósito. Ela tenta atenuar a culpa por sua negligência indo em busca do rapaz, encontrando evidências de que ele fazia parte de uma gangue e que havia cometido algum erro. Ele estava sendo procurado e corria perigo, mas Idora se nega a montar o quebra-cabeça, apesar do rapaz ter escapado da morte por pouco. Infelizmente, seu destino não pôde ser adiado por muito tempo.

Além disso, algo interessante dessa obra (lida em inglês) é que o autor escreve o texto mantendo a pronúncia e os erros gramaticais dos estrangeiros, expressando inclusive dúvidas de Idora sobre a forma correta de uma determinada palavra ou a colocação de um termo dentro de uma frase.

No decorrer da narrativa, o autor soube criar situações extremamente realistas e cotidianas, explorando os sentimentos das vítimas de discriminação racial e xenofobia. Contudo, intercalar os fatos com lembranças e imaginação, sem explicitar onde começa uma coisa e termina outra, tornou a narrativa confusa. Além disso, o relato do cotidiano tornou-se chato, principalmente pela resistência de Idora em encarar a realidade, a repetição e seu excesso de orgulho, renegando suas raízes em frente aos brancos.

Por fim, More é uma obra de grande valor social e não é a única que trata deste tema. Neste desafio, os livros Norte e A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao, narram a vida de imigrantes latinos nos Estados Unidos. Clarke, porém, consegue ir mais fundo e toca em pontos sensíveis, pois ele mesmo é um imigrante, o que lhe confere expertise para tratar do assunto.

Você já esteve em alguma situação similar à de Idora em outro país? Compartilhe conosco nos comentários a sua experiência. Espero que através do diálogo nós possamos erradicar os preconceitos de nossa sociedade no futuro. Até lá, temos um longo caminho a percorrer.


Ficha Técnica:

Autor: Austin Clarke

Editora: Harper Collins Ebooks

Edição: 1

Ano: 2009

Formato: Ebook

Idioma: Inglês

Infelizmente, este livro não foi lançado no Brasil.

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