Resenha nº 45: Zen e a arte da manutenção de motocicletas (Uma investigação sobre os valores) – Robert M. Pirsig
Olá! A resenha de hoje é sobre o livro Zen a Arte da Manutenção de Motocicletas, escrito por Robert Pirsig. Quando foi publicado em 1974, o livro foi uma sensação literária e, de fato, foi um livro surpreendente, estava na minha lista há tempos e li através do Amazon Prime. Eu esperava um drama familiar, mas na verdade se trata de um livro de filosofia romanceado.
A história começa quando nosso personagem principal, que é o próprio autor, e o filho Chris saem em uma jornada pelos Estados Unidos de moto, indo de Minneapolis até San Francisco. A aventura não é apenas turística, ao longo do caminho somos apresentados a uma série de reflexões que se tornam cada vez mais profundas e complexas.
Essas reflexões são chamadas de Chautauquas e diferente da literatura filosófica geral, que muitas vezes é densa e distante do leitor comum, o livro mistura a narrativa pessoal do personagem com a examinação detalhada do dia a dia, usando eventos do cotidiano para nos guiar.
Você sabe que em algum lugar tudo isso tem uma explicação e que, sem dúvida, a operação dessas máquinas faz algum bem indireto à humanidade, mas não é isso que vê. O que vê são as tabuletas de PROIBIDA A ENTRADA, PASSAGEM PROIBIDA; não vê as coisas servindo às pessoas, mas as pessoas, pequenas como formigas, servindo a essas formas estranhas e incompreensíveis.
Zen a Arte da Manutenção de Motocicletas se tornou um clássico da filosofia, debatendo sobre a qualidade, a existência e a experiência humana. No decorrer da narrativa, Pirsig acrescenta elementos da Grécia antiga e da filosofia oriental, em especial o zen budismo, para enriquecer as suas meditações sobre a realidade.
[…] o desconforto físico só afeta a pessoa quando seu estado de espírito está mal. Quando isso acontece, ela se apega à coisa que lhe causa desconforto e lhe põe a culpa. Porém, quando o estado de espírito está bem, o desconforto físico não tem grande importância.
Inicialmente, Pirsig usa o conserto de motocicletas como fio para dividir a inteligência de duas formas: clássica e romântica. A inteligência clássica compreende o mundo através de uma abordagem racional e analítica, como uma forma subjacente, o que significa que ela vê o mundo em termos de sua estrutura, padrões e relacionamentos subjacentes, em vez de apenas sua aparência superficial.
Por exemplo, quando uma inteligência clássica percebe uma motocicleta, ela não vê apenas o objeto físico, mas também os mecanismos e princípios subjacentes que a fazem funcionar. Ele analisa as peças e como elas se encaixam e compreende a mecânica subjacente do motor e da transmissão.
Em comparação, a inteligência romântica vê o mundo de forma mais subjetiva e focada na experiência individual, em termos de suas qualidades emocionais e estéticas. A inteligência romântica vê a motocicleta como uma máquina bonita e harmoniosa, e aprecia a experiência sensorial de pilotá-la, ao invés de apenas analisar suas peças e mecânica.
Os conceitos são complementares, o autor argumenta que ambas são importantes para uma compreensão completa do mundo, e que cada modo de percepção e compreensão tem seus próprios benefícios e limitações. O objetivo é encontrar um equilíbrio entre esses dois modos de inteligência e usar cada um deles no contexto apropriado para obter uma compreensão mais completa do mundo.
Em paralelo, os capítulos intercalam essas reflexões com o drama pessoal do personagem principal e sua relação com a família. Eu entendi que em algum momento o personagem deixou de ser quem era por alguma intervenção psiquiátrica, mas seu eu antigo ainda o assombra como um fantasma. A relação que já estava estremecida com a sua família acabou se deteriorando mais.
Um outro ponto de reflexão que me atraiu foi sobre o método científico. O livro explora a relação entre razão, tecnologia e espiritualidade e argumenta que o método científico nem sempre é a melhor maneira de entender o mundo e nossas experiências. Pirsig argumenta que o método científico é limitado porque se baseia em uma visão estreita e reducionista da realidade.
É claro que as leis da ciência também não contêm matéria e não têm energia, e, portanto, também não existem a não ser na mente das pessoas. O melhor é ter uma postura científica diante de tudo isso e não acreditar nem em fantasmas nem nas leis da ciência. Desse jeito, você está seguro. Não lhe resta muito em que acreditar, mas isso também é científico.
Segundo Pirsig, o método científico tende a decompor fenômenos complexos em suas partes constituintes e analisá-los isoladamente, ignorando a natureza holística e interconectada do mundo. Ele sugere que essa abordagem reducionista pode levar a uma compreensão fragmentada e distorcida da realidade.
As afirmações lógicas anotadas no caderno reduzem- se a seis tipos: (1) declaração do problema, (2) hipóteses relativas à causa do problema, (3) experimentos concebidos para testar cada hipótese, (4) resultados previstos dos experimentos, (5) resultados observados dos experimentos e (6) conclusões tiradas dos resultados dos experimentos.
No livro, Pirsig defende uma abordagem mais holística e integrada para entender o mundo que vai além das limitações do método científico. Ele sugere que essa abordagem pode ser encontrada nas tradições espirituais orientais, como o Zen Budismo, que enfatiza a interconexão de todas as coisas e a importância de experimentar a realidade diretamente, em vez de apenas intelectualmente.
Enquanto ele testava a hipótese número um pelo método científico, uma torrente de outras hipóteses lhe vinha à mente; e, enquanto ele as testava, vinham ainda outras; isso até o doloroso momento em que se evidenciou que, embora ele continuasse testando hipóteses, eliminando-as ou confirmando-as, o número delas não diminuía. Na verdade, esse número aumentava à medida que ele progredia. No começo, ele gostou disso. Formulou uma lei que aspirava ao mesmo bom humor da lei de Parkinson. Dizia ela: “O número de hipóteses racionais capazes de explicar qualquer fenômeno dado é infinito.” Agradava- lhe o fato de nunca ficar sem uma hipótese. Mesmo quando seu trabalho experimental parecia deparar com dificuldades insuperáveis, ele sabia que, caso se sentasse e pensasse sobre o assunto por tempo suficiente, outra hipótese inevitavelmente surgiria. E ela sempre surgia. Foi só alguns meses depois de formular a lei que ele começou a ter dúvidas sobre o caráter engraçado ou benéfico disso tudo. Essa lei, caso seja verdadeira, não é uma falha insignificante do raciocínio científico. É completamente niilista. É uma catastrófica refutação lógica da validade geral de todo o método científico! Se o método científico tem o objetivo de escolher uma entre várias hipóteses e se o número de hipóteses cresce mais rápido do que a capacidade do método experimental de desembaraçá- las, fica claro que jamais será possível testar todas as hipóteses. Se as hipóteses não podem ser todas postas à prova, não são conclusivos os resultados do experimento; e, assim, o método científico fica aquém do seu objetivo de provar irrefutavelmente um conhecimento. Acerca disso, Einstein dissera: “A evolução demonstrou que, em qualquer dado momento, dentre todas as construções concebíveis, há uma que se mostra absolutamente superior às demais” – e não falara mais sobre o assunto. Porém na visão de Fedro, essa resposta era incrivelmente fraca. A expressão “em qualquer dado momento” realmente o deixou perplexo. Será que Einstein efetivamente quisera dizer que a verdade é uma função do tempo? Essa afirmação aniquilaria o pressuposto mais básico de toda a ciência! Porém, à vista de todos, lá estava a história da ciência, uma narrativa clara na qual velhos fatos recebiam explicações novas e sempre mutáveis. A duração da validade das teorias parecia completamente aleatória, e Fedro não conseguia ver nela nenhuma espécie de ordem. Certas verdades científicas pareciam durar séculos; outras, menos de um ano. A verdade científica não era um dogma, válido por toda a eternidade, mas uma entidade temporal quantitativa que podia ser estudada como qualquer outra coisa.
Após a exposição sobre as limitações do método científico, o autor apresenta a necessidade de uma abordagem mais holística e integrada para entender o mundo, o que leva para o conceito de Qualidade como ingrediente essencial da realidade e que pode ser percebida por meio da experiência de “ser”.
Vivemos numa época de confusão, e acho que o que causa a sensação de confusão é o fato de as antigas formas de pensamento não serem adequadas para lidar com as novas experiências.
Outro tema importante do livro é a natureza do eu como uma entidade que não é fixa e permanente, mas está em constante mudança e evolução e esse processo de mudança é o que dá sentido à vida.
Pirsig sugere que, ao abraçar esse processo de mudança e ao buscar uma compreensão mais profunda da realidade, os indivíduos podem alcançar uma sensação de realização e satisfação, embasado por conceitos como a Areté dos gregos e o Dharma budista.
Qualidade! Virtude! Dharma! Era isso que os sofistas ensinavam! Não o relativismo ético, não uma “virtude” pura, mas areté, a excelência. Dharma! Muito antes da Igreja da razão, da substância, da forma, do espírito e da matéria, da própria dialética, a Qualidade reinara absoluta. Esses primeiros professores do mundo ocidental ensinavam a Qualidade, e o método que haviam escolhido era o da retórica. Ele sempre estivera no caminho correto.
Pirsig se baseia nos ensinamentos do Zen Budismo para argumentar que a busca pela qualidade é um caminho para a iluminação espiritual e que o estudo da qualidade pode levar a uma compreensão mais profunda do mundo e de nosso lugar nele.
“O sol da qualidade”, escreveu, “não gira em torno dos sujeitos e objetos de nossa existência. Não os ilumina passivamente. Não está subordinado a eles de nenhuma maneira. Foi ele que os criou. São eles que lhe estão subordinados!”
O conceito de Qualidade é o centro de todas as divagações apresentadas no livro, que explora essa ideia como um princípio subjacente e unificador que permeia toda a realidade e que fornece uma base para compreender e avaliar o mundo. A qualidade não é apenas uma propriedade das coisas, mas é um aspecto fundamental da própria realidade.
Pirsig argumenta que a Qualidade não pode ser reduzida a meras propriedades físicas ou opiniões subjetivas, mas é um princípio objetivo e universal que transcende todas as fronteiras e limitações, sendo a fonte de valor e base para toda experiência humana significativa. A busca pela Qualidade é o que dá propósito e significado à vida, e que é o objetivo final de todos os empreendimentos humanos.
A qualidade também está intimamente relacionada ao conceito de “qualidade dinâmica”, que se refere ao constante processo de criação e mudança que está no cerne de toda a realidade. Pirsig sugere que a qualidade dinâmica da realidade é o que lhe dá vitalidade e beleza, e que é a fonte de todo crescimento, desenvolvimento e evolução.
O conceito de Qualidade é uma ideia complexa e multifacetada que fornece uma base para a compreensão e avaliação do mundo e que é central para a investigação filosófica do autor. O livro convida os leitores a explorar a ideia de Qualidade e seu significado em suas próprias vidas e no mundo ao seu redor.
No geral, o livro é instigante e acessível, por isso conquistou seu lugar como um clássico da filosofia popular. A mistura de narrativa pessoal, investigação filosófica do autor e suas percepções sobre a natureza da existência e a experiência humana continuam a inspirar e desafiar os leitores mais de quatro décadas após sua publicação. Seja você um leitor filosófico experiente ou simplesmente procurando um livro instigante, esse vale muito a pena, é uma mistura única e envolvente de filosofia, espiritualidade e conselhos práticos.
Já conhecia esse livro? Conhece outros livros similares para nos indicar? Deixe nos comentários!
Agradeço a companhia durante a leitura desse texto. Até a próxima e boas leituras!
*Este texto foi parcialmente escrito pela ferramenta ChatGPT.
Ficha Técnica:
Autor: Robert M. Pirsig
Editora: Martins Fontes
Tipo: E-book
Ano: 2018
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