Capa do livro Uma Perturbação no Ar - Dinaw Mengestu. Casa Cultura, 2012.

Etiópia: Uma Perturbação no Ar

Resenha nº 38: Uma Perturbação no Ar –Dinaw Mengestu

Vou inaugurar 2021 com a resenha de Uma Perturbação no Ar, escrito por Dinaw Mengestu, escritor nascido na Etiópia que emigrou com seus pais para os Estados Unidos aos 2 anos de idade. Um pequeno spoiler: gostei muito!

Já resenhei outros livros autobiográficos de africanas, Mutilada e Sobrevivi para Contar, mas Uma Perturbação no Ar é muito mais tranquilo em comparação a eles.

Eu vi que existe pouco material em português sobre esse livro, então decidi explorar um pouco mais a história. O enredo é singelo e profundo, parcialmente baseado na vivência do autor, e trata sobre relacionamentos com nossos entes queridos, em especial pais e esposa.

O protagonista é Jonas Woldermariam, filho de imigrantes etíopes, nascido e criado nos Estados Unidos, bacharel em língua inglesa, quieto e misterioso. Jonas não compartilha seus sentimentos verdadeiros, evita conflitos a todo custo e nunca deixou claro sua ascendência. Parte de sua trajetória é entender seu passado e se desvencilhar dele para ser um adulto mais livre.

Quando, por fim, desapareceram as colinas e os vales, quando a paisagem toda se tornou plana como a das minhas lembranças de infância, comecei a buscar vislumbres dos meus pais como deviam ser quando passaram por ali, quando eram pessoas muito melhores do que aquelas que acabei conhecendo. Foi apenas ao tentar fazer isso que compreendi o quanto ainda havia estado apegado a eles todos esses anos.

O livro inicia falando sobre o casamento de Yosef e Mariam, pais de Jonas. Eles se casaram muito jovens, durante um momento de tensão e revoltas populares contra o governo etíope. Foi um episódio parecido com o que Pepetela relatou em seu livro Mayombe.

Yosef precisou fugir da capital, foi preso, mas conseguiu chegar ao Sudão, onde trabalhou em um porto e viajou dentro de uma caixa para a Europa.

Quando meu pai finalmente chegou a Londres, dezoito meses mais tarde, já passara a ver todos os homens que encontrava como variações de Abrahim, todos eles aleijados e deformados por seus sonhos. 

Após algum tempo, mudou-se para os Estados Unidos e trouxe a mulher para viver com ele após alguns anos separados. Eles não se conheciam muito bem quando se casaram, foi uma decisão tomada no calor do momento, e descobrimos que na verdade eles não se dão bem.

Brigas e conflitos eram constantes na infância de Jonas, várias vezes Mariam ensaiava fugir de Yosef.

Havia sempre um “você” que não fizera alguma coisa e outro “você” que jamais deixava isso passar. Às vezes penso que, se eles nunca tivessem aprendido a usar esse pronome pessoal, a vida poderia ter sido muito melhor. Podiam ter se valido da indiferente e inocente terceira pessoa do singular do mesmo jeito que depois se voltariam à fé e às caixas de papelão para manter a morte a distância. Podiam tê-la usado para suportar o fato das demissões, das reprovações em testes de ortografia e da inflação do óleo para aquecimento, mas, ao menos nisso, foram como a maioria dos americanos, sempre agarrados a um “você” a quem culpar e à necessidade de ver alguém punido. 

A violência sempre rondou a vida de Yosef e Miriam, o que acabou refletindo na personalidade de Jonas e sua dificuldade de se adaptar e se expressar.

Assim que meu pai terminou de pronunciar as duas últimas palavras da frase, sentiu aquela mudança brusca e dramática de atmosfera que precede qualquer confronto violento. Algo vibrou, zuniu. Se houvesse uma maneira de narrar o fenômeno, ele o teria descrito assim: as mais ínfimas partículas que compõem o ar que respiramos tornando-se subitamente carregadas e eletrificadas de uma vida própria e palpável. O mundo à nossa volta está vivo, ele teria dito, com as nossas emoções e os nossos pensamentos, e tudo isso está contido no espaço entre duas pessoas quaisquer. Ele aprendera, cedo na vida, que antes de qualquer gesto violento há o momento do nascimento desse ato, não como algo que possa ser visto ou sentido, mas pela mudança que se precipita no ar. 

Yosef também era agressivo com o filho, desconfiava de todos e era calado. Era uma pessoa difícil de se lidar.

“Não sou burro”, acrescentava. “Sei o que vai acontecer”, que era basicamente como ele via o mundo – como uma série de armadilhas contra as quais precisava estar vigilante, porque a ameaça, conforme acreditava, poderia vir de qualquer lugar. 

Depois de se formar na faculdade, Jonas trabalhou em um centro de apoio para refugiados nos Estados Unidos e ajudou a equipe jurídica com os processos para solicitação de visto. Lá ele conhece Ângela, mulher preta, advogada, elegante e inteligente.

Apesar de aparentar ser uma mulher forte e capaz, Ângela carrega feridas de sua infância pobre e sua relação com a mãe (o pai é ausente). Ela luta ferrenhamente para se estabelecer profissionalmente e ascender socialmente.

Na maior parte da minha vida, tentei não imaginar muito as coisas. Ou talvez tenha, alguma vez, imaginado, mas depois me cansei de nunca ver nada do que imaginava se tornar realidade, então finalmente parei.  

Após a morte de Yosef, Jonas se empenha em compreender seus laços geracionais e culturais, procura pelas suas raízes em uma viagem pelo interior dos Estados Unidos. Ele percorre o mesmo caminho que seus pais percorreram no início do casamento, em sua mudança do Illinois para o Tennessee.

No decorrer do caminho, sem conhecer os detalhes da história, ele mesmo recria os acontecimentos em sua imaginação. Isso funciona como uma válvula de escape. Nessa época, ele já era professor de alunos do ensino médio e compartilhou a “história” de seu pai com os alunos.

Certamente, muito pouco daquilo era verdade, mas acompanhar a construção de Jonas é interessante.

Nessa época, o casamento com Ângela já estava esfriando, ele não partilhava das ambições da esposa e lhe custava muito sair da zona de conforto, principalmente por sua inabilidade em lidar com as próprias emoções.

Em nossa pressa para, supostamente, nos tornarmos pessoas melhores, tínhamos deixado passar aquilo que, enfim, era óbvio desde sempre – que, muitas vezes, para garantir um nível seguro de felicidade, não é preciso muito mais do que atentar com cuidado às necessidades um do outro. 

De modo geral, gostei bastante da história, ela é reflexiva e bem escrita. O único defeito é que em alguns momentos acabava se tornando repetitiva, a história poderia passar a mesma mensagem com um terço a menos de páginas.

Mesmo assim, indico bastante a leitura, é um livro ótimo para se ler enquanto toma uma xícara de café.

Já resenhei outros livros sobre a busca da felicidade longe da terra natal, como Lucy e More, mas eles não estão disponíveis em português.

Gostou da resenha? Então curta esse post e compartilhe, até a próxima!


Ficha Técnica:

Autor: Dinaw Mengestu

Editora: Nossa Cultura

Ano: 2012

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