Capa de Adriana em Todos os Meus Sonhos de René Depestre

Haiti: Adriana em Todos os Meus Sonhos

Resenha nº 16: Adriana em Todos os Meus Sonhos – René Depestre

Um pouquinho atrasado, mas FELIZ ANO NOVO! Que 2018 traga muitas alegrias, paz, saúde e amor ❤ E para começar o ano com o pé direito, eu trouxe a resenha de um livro incrível! A indicação é o romance haitiano Adriana em Todos os Meus Sonhos, que aborda o misticismo das religiões crioulas dentro da cultura europeia presente no país. A história se passa na Jacmel de 1938, cidade natal do autor René Depestre. Aliás, pesquisando um pouco sobre o lugar, me deu vontade de tirar umas férias por lá…

jacmel 4 - Copia (1)

O golfo é algo muito presente na narrativa, é um elemento que faz parte da essência da personagem principal, Adriana Siloê, filha dos franceses Denise Piroteau e André Siloê, que vieram recém-casados às caraíbas para administrar a manufatura de tabaco que o pai de Adriana herdou do tio. A história é narrada por Patrick Altamont, sobrinho do juiz da cidade, filho da costureira de Adriana e amigo da moça.

Adriana era o tesouro de Jacmel, a jovem foi descrita no jornal como “[…] o dom principesco que a França de Debussy e Renoir legou a nosso país. Mais do que uma donzela de 19 anos, a fada madrinha de Jacmel é uma rosa que enfeita o chapéu de Deus.” E esta é apenas uma pequena amostra do sentimento de adoração e idolatria que os habitantes de Jacmel tinham por Naná Siloê. Para suas bodas com Hector Danoze, toda a cidade desejava-lhe felicidades e dava-lhe muitos presentes. Jacmel estava em polvorosa durante os preparativos, a festa teria grandes proporções e haveria um belo carnaval para comemorar a união.

Antes disso, porém, a história traz a temática da magia e das crenças vodu contando os casos das donzelas defloradas por Baltasar Granchirê, um feiticeiro que diziam transformar-se em uma vistosa borboleta. Ele entrava no quarto das moças e esperava o anoitecer para violá-las durante o sono. O elemento sexual é bastante presente na obra, principalmente como elemento central dos rituais pagãos.

No dia do casamento de Adriana, toda a cidade estava em clima de festa e assistiram à passagem da moça pela cidade no trajeto da mansão da família até a igreja. Já na igreja, uma fatalidade acomete Adriana no momento em que ela termina de pronunciar os seus votos: ela cai no chão, morta. Muitos, incluindo Hector, desmaiaram quando o médico deu o veredito. Os convidados presentes na igreja encontravam-se entre a histeria e a consternação, até que Adriana foi levada para a mansão dos Siloê. As pessoas na rua, porém, ainda não sabiam do ocorrido.

Após uma fervorosa discussão, decidiu-se velar Adriana na alameda dos Namorados e, em homenagem à sua paixão pela vida, celebrou-se o carnaval previsto para as bodas. Nesse meio tempo, a sra. Brévica Losange, vizinha dos Siloê e mambo – sacerdotisa vodu –, recomendou que as moças virassem as calcinhas, sutiãs e vestidos do avesso, pois a morte de Adriana não derivava de causas naturais, e sim da feitiçaria de Granchirê. Apesar da resistência do padre e dos conservadores católicos em relação ao carnaval e aos rituais vodu para a proteção de Adriana contra os espíritos maus, decidiu-se realizá-los e a mambo fez o que pôde para evitar que o corpo e o espírito da moça fosse violado.

– Adriana era o seu santo nome de batismo –, começou o vigário. – Ao invés do velório cristão que sua pureza merecia, Jacmel lhe infligiu os ultrajes de uma noite de carnaval. À injustiça de sua morte, acrescentou-se o escândalo dos mascarados e das danças pagãs mais desbragadas.

Eis o fato: Jacmel tramou um sabá pervertido contra a inocência de sua fada. Na verdade, caros irmãos, para comparecer diante do Deus verdadeiro, Adriana não tinha necessidade de ajuda dos loas guedés*, nem do acompanhamento dos atabaques, nem de dança obscena e macabra. Esses festejos ímpios profanaram gravemente sua morte.

Nesse terrível mês de janeiro haitiano, imploramos, Senhor, vosso perdão para todos aqueles que profanaram a manhã virginal de vossa bem-amada flor. Invocamos para Adriana, como para Jacmel de luto por seu anjo, a misericórdia do Pai, do Filho e do Espírito Santo!

A resplandecente jovem que aqui está tinha um excepcional dom de presença no mundo. Fazei, Senhor, com que as águas de vossa misericórdia corram frescas e límpidas por seus pés nus, na dura subida até a assembleia dos santos por vós presidida no reino dos céus!

[…]

Em memória do batismo que este corpo de rainha recebeu aqui mesmo, na casa do Pai, onde ela encontrou a morte aos 19 anos; em memória de sua irradiante beleza; em memória da sua alma mais azul que todo o azul do céu, Senhor, além da dor e das lágrimas, que Vosso melhor sorriso a acolha à porta do paraíso! Adeus, senhora!

*Ser sobrenatural do culto vodu; mais do que uma divindade, é de fato um espírito benfazejo ou maligno. O guédé é o espírito da morte, que desempenha papel importante na feitiçaria.

Depois da missa, o corpo da moça foi enterrado numa colina de frente para o golfo.

No dia seguinte, o espanto tomou conta de Jacmel: o corpo de Naná tinha sumido! Adriana fora novamente vítima das artes de feiticeiros mal-intencionados. Os pais da jovem estavam tão esgotados e devastados que simplesmente aceitaram a situação com resignação.

A morte de Adriana levou Jacmel à decadência, na opinião de Patrick. O tio do rapaz supôs que Adriana fora zumbificada, outra arte obscura da feitiçaria vodu. O que aconteceu de fato com Adriana é explicado no fim do livro, quando Patrick encontra-a, mais velha, enquanto ministrava uma aula na universidade de Kingston, na Jamaica. Neste ponto da história, Adriana dá o seu próprio depoimento sobre sua pseudomorte e conta como viajou para a Jamaica com haitianos que acreditavam que ela era a loa Simbi-la-Source, espírito branco da chuva e da beleza. Além disso, a inocência de Granchirê é revelada, ele não foi o perpetrador da desgraça de Jacmel.

Esse foi um dos livros mais bonitos e interessantes que eu já tive oportunidade de ler. Eu simplesmente amei! Recomendo demais a leitura. Para conhecer outros livros maravilhosos, veja os melhores de 2017. Tenho certeza que estes títulos vão te inspirar muito!


Ficha Técnica:

Autor: René Depestre

Editora: Nova Fronteira

Edição: 1

Ano: 1996

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