Resenha nº 6: As Veias Abertas da América Latina – Eduardo Galeano
Representando o Uruguai, escolhi resenhar As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Esse é um livro que já estava na minha lista há tempos e foi indicado por um professor quando eu estava na escola. Quem sabe quando eu leria se não fosse o desafio?
Este é um livro político clássico escrito no início da década de 70 com viés de esquerda, e por isso já imagino muita gente torcendo o nariz. Eu acredito que mesmo a visão política do autor sendo diferente da minha, é importante ler a obra e estudá-la, a fim de fazer críticas contundentes e gerar uma discussão sobre isso, em vez de apenas descartá-la como um livro inútil. Talvez você descubra que concorde com o livro pelo menos em parte.
Mas, se mesmo após a leitura você achar que o livro tem mais erros do que acertos, saiba que não é o único! O próprio autor concorda com você (risos). Antes de sua morte, durante uma entrevista na Bienal de Brasília, Galeano declarou que não releria sua obra, dando a entender que adotou uma posição política mais moderada.
O autor também reconheceu que não estava preparado para escrever o livro, embora não se arrependa e encare isso como uma fase. Galeano fez críticas fortes ao estilo que escolheu, descrevendo-o como árido. E pra ser sincera, sabe aquele livro que tu lê, lê, lê mais um pouco e não sai do lugar? Pois é. Talvez ele pudesse ter melhorado um pouco nesse aspecto. Mesmo assim, eu nunca li um livro de política em linguagem simples e atraente, então o jeito é aceitar mesmo.
Bom, agora é hora de discutir sobre o conteúdo do livro. Galeano relata o processo histórico de colonização e exploração da América Latina em ordem cronológica, começando pela exploração da prata nos países hispânicos e da madeira e açúcar no Brasil.
Durante toda a nossa história, a América Latina foi usada como celeiro e mina dos países ricos, para onde nossas riquezas foram drenadas, de forma que nunca houve interesse em criar uma estrutura que propiciasse o desenvolvimento da região. É claro que muitas pessoas se tornaram ricos neste período, mas o dinheiro obtido era desperdiçado em ostentação em vez de ser investido em coisas úteis.
Os capitais não se acumulavam, eram dissipados. Praticava-se o velho ditado: ‘Pai rico, filho nobre, neto pobre’.
Um exemplo muito claro disso é Potosí, uma cidade boliviana nomeada em homenagem à montanha que é riquíssima em metais e por muito tempo foi um dos principais centros culturais, jurídicos e econômicos da parte sul do continente.

Aquela sociedade potosina, doente de ostentação e desperdício, só legou para a Bolívia vaga memória de seu esplendor, as ruínas de suas igrejas e palácios e oito milhões de cadáveres de índios. Qualquer diamante incrustado no escudo de um fidalgo rico valia mais do que a quantia que um índio podia ganhar em toda a sua vida de mitayo, mas o fidalgo fugiu com os diamantes. A Bolívia, hoje um dos países mais pobres do mundo, poderia vangloriar-se – se isto não fosse pateticamente inútil – de ter nutrido as riquezas dos ricos países. Em nossos dias, Potosí é uma pobre cidade da pobre Bolívia: ‘A cidade que mais deu ao mundo é a que menos tem’, como me disse uma velha senhora potosina […]. Em Potosí e em Sucre só permaneceram vivos os fantasmas da riqueza morta.
Este trecho lembra muito do enredo de Huasipungo, que também tratava da exploração da mão-de-obra indígena de forma escrava, algo recorrente nos diversos ciclos exploratórios.
Em seguida, foi a vez da intensa exploração agrícola de café, açúcar, banana, entre outros produtos tropicais, de forma que em vez de produzir alimentos para a população, a terra era usada quase totalmente para produtos de exportação. Em decorrência disso, há graves crises alimentares na região e condições de trabalho precário.
Aqui há também uma referência a outro livro: Cem Anos de Solidão. Gabriel García Marquez descreveu em um dos capítulos uma chacina em Macondo, sua cidade inventada, após manifestações contra a companhia bananeira. Quando eu li a obra, não sabia que a história era real e descrita em detalhes, já que o autor colombiano deu um tom satírico ao episódio. Segue a versão de Galeano:
Os trabalhadores bananeiros foram aniquilados a tiros, na frente de uma estação ferroviária. Um decreto oficial tinha sido publicado: ‘Os homens de força pública estão autorizados a castigar pelas armas…’, e depois não houve necessidade de editar nenhum decreto para apagar a matança da memória oficial do país.
A visão de Galeano sobre a agricultura neste livro tem bastante relação com o socialismo, ele defende uma reforma agrária que dê condições às famílias de plantarem para seu próprio sustento e elogia as tentativas de realizá-la, além de outras tentativas de apoiar o desenvolvimento região, mesmo se tratando de ditadores que trazem memórias ruins aos seus países.
Durante a exploração de prata, outros metais, como estanho, ferro, cobre e manganês foram descartados como impurezas. Isso dá início ao novo ciclo de exploração mineira na região, já no século XX, que inclui também o petróleo. Talvez principalmente o petróleo, que finaliza a parte de exploração de matérias-primas, a primeira parte do livro. A segunda se chama: “O desenvolvimento é uma viagem com mais náufragos que navegantes”.
Agora a exploração se dá pelo sufocamento da indústria nacional, através de sua compra ou mecanismos que forcem sua falência, já que as empresas multinacionais, a essa altura já consolidadas, conseguem manter seus preços baixos por algum tempo e são preferidas pelos compradores.
Após eliminar a concorrência, essas empresas tendem a fixar seus preços várias vezes maior do que em seus países de origem. Tenho que admitir que me identifico com esse trecho, é só comparar o custo de um iPhone ou um carro nos EUA e no Brasil: a diferença de preços é absurda.
Essas empresas são majoritariamente americanas e seu país pratica uma política protecionista, embora propague a ideologia do livre mercado na América Latina. Dessa forma, as empresas conseguem diversos incentivos fiscais dos países pobres que diminuem os custos de produção, apesar de não o repassarem para os consumidores, especialmente os dos países latinos. No fim das contas, as empresas prometem trazer empregos e crescimento, mas retiram mais do país do que fornecem.
Já Bolívar havia afirmado, certeira profecia, que os Estados Unidos pareciam destinados pela Providência a encher a América de misérias em nome da liberdade.
Dessa forma, nos tornamos industrialmente dependentes e, por consequência, tecnologicamente dependentes. Pouquíssimas pesquisas que visem trazer benefícios para a população e aumentar a independência são realizadas pelos países latinos, toda a tecnologia deve ser importada de países desenvolvidos. Em retribuição, exportamos nossos melhores técnicos e cientistas, já que nos países desenvolvidos há um amparo muito maior às atividades de pesquisa.
Assim, As Veias Abertas da América Latina sugere que desde o início estivemos fadados à exploração, o tempo só fez mudar a metrópole exploradora: Portugal, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos. Contudo, o livro termina com uma nota de esperança, com vistas a um futuro melhor.
A América Latina é uma região do mundo condenada à humilhação e à pobreza? Condenada por quem? Culpa de Deus, culpa da natureza? Um clima opressivo, as raças inferiores? A religião, os costumes? Não será a desgraça um produto da história, feita pelos homens e que pelos homens, portanto, pode ser desfeita?
Ficha Técnica:
Autor: Eduardo Galeano
Editora: L&PM
Edição: 1
Ano: 2013
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